quarta-feira, março 29, 2006

Oi, amigos-vistantes!!!

Resolvi postar um continho, escrito num dia de chuva, assim como hoje. Espero que gostem. Aceito sugestões, críticas...
Beijos praquem quiser.


Imagens Delirantes

Ela nasceu na tarde do primeiro dia de outono. Ariana poderia ser o seu nome, em homenagem à casa zodiacal sobre a qual pairava o sol naquele dia, mas não era. Todos a conheciam, mas ela, mal sabia da existência das pessoas, vivia em seu mundo particular.
Gostava mesmo era de sair sem destino pelas ruas do vilarejo onde morava desde sempre. O destino era sempre o mesmo, o banco de uma praça mal cuidada no final de uma rua sem saída. Ali era capaz de permanecer sem perceber a passagem do tempo. A cada volta percebia um detalhe novo naquele lugar, uma flor que acabara de brotar, mais folhas secas pelo chão, os diferentes matizes do verde da velha amoreira...
As grandes questões que assolavam o mundo em meados dos anos quarenta também foram responsáveis pela decisão de não mais sofrer pelo mundo. Bastava-lhe ter de enfrentar a guerra que se estabelecera em sua alma. Os pais, a pouco mais de um mês, haviam sido levados de casa, desde então, nada mais lhe tocava. Estava só, a sombra da solidão tinha vindo para ficar.
Sempre que era novembro úmido em seu coração, saía pelas ruas em busca de respostas para as perturbações que assolavam a sua alma. Num desses dias, parou em frente à estátua de bronze que havia na praça. Ali permaneceu durante horas. Nunca havia reparado na perfeição daquelas formas, tudo tão harmônico, coerente, a expressão de contentamento, era como se aquele objeto gélido pudesse captar seus pensamentos, suas angústias e, mais do que isso, era como se fosse capaz de oferecer-lhe palavras de acalento. Fora tomada de sobressalto pela força avassaladora da imagem, a realidade alterada, certa alucinação...
Olhou ao redor, assustada, temerosa de que tivessem invadido seus pensamentos, sua alma. Percebeu no chão, ao pé da estátua, meio encoberto por folhas secas, um pedaço de papel dobrado, bastante amarelado pelo tempo. Pegou-o, sentou-se no banco e, temerosa, começou a desdobrá-lo. Estaria ali a resposta para sua angústia? Uma ação tão simples tornou-se o mais complexo dos atos. A euforia tomou conta de seu espírito, talvez fosse medo... ou ambos. Não conseguia desfazer a última dobra, algo a impedia de romper a barreira que a separava de seu destino. Acovardou-se, redobrou cuidadosamente o pedaço de papel, guardou-o no bolso do casaco e correu. O vento daquele fim de tarde cortava-lhe a face e emaranhava-lhe os cabelos longos.
Taquicardia. A boca estava seca. As mãos úmidas pelo suor. Pupilas dilatadas. Excitação. Trancou-se no lugar em que se sentia mais segura, teve o cuidado de fechar a persiana para, finalmente, desvendar o que lhe guardava aquele pedaço de papel. Num gesto ritualístico desdobrou-o, respirou fundo, tomou coragem e leu. Releu. Sentiu-se feliz. Uma luz havia brotado em seu coração. Arrancou uma folha de seu diário e voltou para a praça. Lá, confortada pelas palavras que lera no bilhete, depositou outro ao pé da estátua. No final daquela tarde percebeu, enfim, que o grande equívoco do ímpeto humano está quer entender todas as coisas do mundo.